terça-feira, 12 de novembro de 2019

Grupo 1: FORMAS DE REPRESENTAÇÃO SOCIAL DA CIDADE DE PORTO FELIZ



Por Carolina Valentim Carvalho
É importante que, primeiramente, entendamos o significado de representação social e qual a sua importância no contexto de uma comunidade.
De acordo com as teorias das representações sociais de S. Moscovici (2000, apud PIRES, 2008, p.2), "as representações sociais são formas de conhecimento do mundo que nos cerca".
Mary Jane Spink, tendo como base os estudos de Jodelet, afirma que
as representações sociais são formas de conhecimento prático do senso comum, orientado (o conhecimento prático) para a compreensão do mundo e para a comunicação. [...] são sempre a referência de alguém para alguma coisa. (1994 apud PIRES, 2008, p. 2).
Pires (2008, p.2) nos explica ainda que, de acordo com a teoria dialógica da enunciação proposta por Bakhtin, ao expressarmos a relação existente entre sujeito-linguagem-história-sociedade, instituímos um processo de intersubjetividade, no qual temos a identidade como o reconhecimento desse sujeito histórico através do contraste com outros seres sociais; entretanto, essa representação não ocorre de maneira transparente, refletindo a ideologia e realidade percebida por casa indivíduo.
Entendemos, então, que o ponto de vista, além das ideologias de cada um, é responsável pela compreensão do mundo e, também, essencial para a comunicação.
Considerando o estudo de Fairclough (2006 apud ORMUNDO, 2007, p.136), entendemos que, ao analisarmos as experiências e vozes da globalização, consideramos ser as vozes das pessoas comuns o tópico mais indicado para a realizar o proposto neste trabalho.
Desta forma, realizamos 5 entrevistas a respeito da relação comunidade-globalização, sendo 4 realizadas em Porto Feliz (nos bairros Centro, Popular e Jardim Excelsior) e 1 realizada com um ex-morador, que hoje vive fora do país.

BAIRRO: CENTRO

O Centro da cidade começou a se estruturar em 1693, quando um povoado começou a se formar junto à margem esquerda do Rio Anhemby (atual Tietê), num ponto distante pouco mais de 100 km de São Paulo. O local era conhecido como “Araritaguaba” (que significa: “lugar onde as araras comem areia”) – nome dado pelos índios guaianazes que habitavam a região, em virtude da frequência com que bandos dessas aves bicavam um salitroso paredão ali existente, nas terras de Antônio Cardoso Pimentel.
O início do povoamento se deu quando o dono das terras decidiu habitá-las, junto a seus familiares e empregados, em uma época em que houve a troca do Bandeirismo pela agricultura. Era uma comunidade simples, que cultivava o solo apenas para a sua subsistência; no entanto, quando a notícia da descoberta de ouro em Mato Grosso (1719) e Goiás (1725) se espalhou pelos quatro cantos, a movimentação no vilarejo e o seu consequente progresso foram inevitáveis. Por sorte, ele havia se desenvolvido em torno de um estratégico porto natural junto ao primeiro trecho navegável do rio depois de Salto. Um local que serviria de ponto de partida, ainda no século XVII, para inúmeros bandeirantes em busca das riquezas anunciadas; no século XVIII, partiriam também as famosas monções (expedições comerciais e científicas), marca da cidade de Porto Feliz.
No bairro Centro aplicamos as perguntas a Maria de Lourdes Kerche do Amaral (67 anos), funcionária da Casa da Cultura “Dona Narcisa Stettener Pires”. A Casa da Cultura “Dona Narcisa Stettener Pires” está instalada em um casarão de típica arquitetura urbana de Porto Feliz do início do século XIX, construído originalmente em taipa de pilão e pau-a-pique.
Maria de Lourdes, moradora de Porto Feliz desde 1987, acredita que, na última década, o comércio na cidade aumentou muito pouco; não há uma modernização por parte dos comerciantes - fato este que se opõe àquilo trazido pelo processo de globalização. Para ela, a tecnologia (como a internet) é

uma faca de dois gumes: ao mesmo tempo que você pode melhorar a sua cultura, o seu conhecimento, tem uma grande parte que usa, assimila as coisas erradas que essa globalização traz, tipo: valores morais, família, religião... (AMARAL, 2019).

Apesar de ter crescido em uma época em que utilizava cartas e jornais para se comunicar com o mundo, Maria de Lourdes utiliza hoje a internet e o WhatsApp para se informar e manter contato com amigos e familiares.
A respeito das práticas sociais e até mesmo os valores adquiridos pela sociedade com o passar dos anos, Maria de Lourdes diz acreditar que estes mudaram sim; não só por causa das redes de informações, mas também devido a hábitos vindos dos próprios lares (uma vez que, em sua opinião, os jovens são os mais influenciados atualmente) - há uma ruptura de laços, relações superficiais.
Acredita que o elemento essencial para que as pessoas voltem a vivenciar experiências ao ar livre é a cultura.
A entrevistada cedeu algumas fotos, nas quais pudemos analisar a sua família em diversas épocas.
Entrevistamos também Janaína Soares de Souza Piva Mâncio de Camargo (38 anos), funcionária da Biblioteca Pública Municipal "Dr. Cesário Motta Junior” e Arquivo Municipal "Sergio Buarque de Holanda"; o edifício que abriga a Biblioteca e o Acervo foi construído, em estilo inglês, data de 1920 para abrigar o prédio da Estrada de Ferro Sorocabana (desativada em 1960). Janaína possui ensino superior completo e é professora.
            Natural de São Paulo, a entrevistada mora em Porto Feliz há mais de 30 anos.
            Ao ser questionada sobre a tecnologia, seu uso e as mudanças que notou nos últimos anos, disse que utiliza a internet e as redes sociais. Acredita que não viu mudança nos últimos 10 anos no mercado e comércio local. Quanto as relações com familiares, amigos e profissional acham que a internet é fundamental, porém afasta as pessoas.
            Relatou-nos também como era a rotina antes da internet, as dificuldades para fazer um trabalho acadêmico ou combinar algo com os amigos.
            Janaína também comenta sobre o uso de celular por crianças e os reflexos que nota na escola com alunos que recebem muita informação, mas que não têm maturidade para conviver com isso. Também acredita que uma das consequências dessa exposição seja a de uma geração extremamente ansiosa e refém da repercussão que uma postagem pode ou não ter; outro ponto levantado por ela é o dano causado à saúde, como miopia e problemas na coluna pelo uso sem moderação do aparelho celular.
            A falsa sensação causada pelas redes sociais de que seus temos muitos amigos também foi um assunto comentado por Janaína, que aponta que se têm muitas pessoas na lista de amigos, quando na verdade conhecem-se apenas algumas delas.
            Janaína ainda enfatiza que a internet é necessária e que está aqui para ajudar. Tudo é questão de saber dosar a sua utilização. “A internet que une, também afasta.”, afirma a entrevistada.

BAIRRO: POPULAR

O Bairro Popular (conhecido como “De casas populares”), tem esse nome devido ao fato de as residências terem sido construídas por um preço acessível para aqueles que procuravam sair da área rural e migrar para a área urbana – uma vez que, na época, ainda não existiam programas assistencialistas como, por exemplo, o  “Minha Casa, Minha vida”. O responsável pela construção foi a COHAB (Conjunto Habitacional Agostinho Alcalá), sendo este o nome oficial do bairro.
No bairro Popular a entrevista foi realizada com Sueli Dandalo dos Santos (55 anos), moradora que vive em Porto Feliz há 40 anos, ou seja, alguém que acompanhou inúmeras mudanças desde a sua chegada na cidade.
A entrevistada relatou mudanças que ocorreram na cidade - como o apagamento de pequenos mercados e a chegada de grandes comércios (fato que nos remete ao poder da globalização que, cada vez mais, ocupa as cidades do Brasil); os antigos e pequenos comércios familiares acabaram falindo com a chegada das grandes coorporativas, que ocupam o espaço com muito mais variedades de produtos devido a importação.
No Bairro Popular ainda existe um campo onde são realizadas inúmeras atividades ao ar livre que servem para enaltecer atividades em grupos. 

BAIRRO: JARDIM EXCELSIOR

O bairro Jardim Excelsior começou a ser moldado no início dos anos de 1990; antes disso, o espaço existente ali era ocupado por plantações de cana de açúcar. A prefeitura, então, realizou a compra do terreno que pertencia à União São Paulo (usina de cana de açúcar, atual Raízen) e, com o financiamento disponibilizado pela Caixa Econômica Federal, ocorreram sorteios de casas para a construção do novo bairro - com prestações no valor de, na época, R$ 100,00.
Embora tenha nascido no interior do Paraná, Roseli Aparecida Dandalo de Miranda (51 anos) é residente de Porto Feliz há 40 anos e possui certas opiniões do desenvolvimento da cidade em relação as mudanças que vieram com o tempo.
Ela concorda que o comércio sofreu mudanças ao decorrer do tempo, pois pequenos e antigos mercados (conhecidos por “vendas”) cederam lugar para mercados maiores que chegaram, assim como o próprio varejo; ela também acredita que ainda faltem mais postos de trabalho tendo em vista que a mão de obra, mesmo evoluída, ainda é escassa.
Roseli recorda da época em que, para poder se comunicar, tinha que enfrentar filas para usar o único orelhão do bairro, coisa que hoje em dia já não existe mais, graças à Internet e aos novos meios de comunicação.
Para ela, com essa mudança e com o avanço da tecnologia, seus próprios valores mudaram, exceto aqueles intrínsecos ao valor familiar de berço; há hoje em sua vida uma desconstrução de ideias antigas para dar lugar à novos pensamentos e linhas de raciocínio, situação essa que a entrevistada classifica como ótima, devido a praticidade que a tecnologia trouxe para o seu dia a dia. No entanto, ela admite que todo esse novo conceito abalou laços, tanto familiares quanto os de amizade, tornando-os mais fracos.
A sugestão proposta por Roseli é que, para resgatar esse convívio ao ar livre, é a realização de mais atividades grupais, tais como corridas, tendo em vista que presar pelo bem-estar (pessoal e grupal) e sempre busca cuidar de si mesma.
Como complemento a sua entrevista, Roseli nos cedeu algumas fotos de sua família em diferentes épocas.

BAIRRO: MILBERTSCHOFEN (MUNIQUE, ALEMANHA)

A primeira menção a Milbertshofen ocorreu em um documento datado de 1140, sendo incorporado a Munique em 1913. Durante a ditadura nazista, no ano de 1941, serviu para acampamento dos cidadãos judeus, que acabaram sendo deportados de lá para vários campos de concentração (sendo o primeiro campo de concentração inaugurado na cidade de Dachau, em 1933).
O distrito de Milbertshofen está situado ao norte de Munique, na Alemanha, e, junto aos distritos Am Riesenfeld e Am Hart, forma o distrito da cidade 11 Milbertshofen-Am Hart.
Em Milbertshofen-Am Hart está localizado o Olympiapark (Parque Olímpico de Munique), uma área verde que deixada para a cidade após os jogos olímpicos de 1972; o parque conta com opções de lazer gratuito para a população, esporte, entretenimento, sendo um dos mais importantes pontos turísticos da cidade; além disso, há museus, shoppings e outros parques.
Vinícius José dos Santos (33 anos) viveu por 31 anos em Porto Feliz e hoje mora no distrito de Milbertshofen, na cidade de Munique (Alemanha); sua entrevista foi realizada pela internet, sendo o questionário respondido via WhatsApp. Optamos por realizar este registro a fim de comparar as impressões do entrevistado em relação a Porto Feliz e a cidade na qual reside atualmente.
Ao se lembrar sobre o desenvolvimento do comércio em sua cidade natal, o entrevistado afirma que houve uma mudança significativa, na qual grandes empresas e marcas se estabeleceram no município, aumentando a concorrência e a gama de produtos oferecidos à população.
Recorda que os telegramas e o telefone residencial eram um dos meios mais utilizados para a comunicação, e não imaginava que, um dia, utilizaria uma tecnologia como a internet; a respeito dessa, acredita que "com o avanço tecnológico, pessoas, produtos e serviços se relacionam de diversas formas, o que acaba alterando os valores do cidadão e até mesmo agrupando partes de valores de diversos grupos”.
A respeito dos novos usos da tecnologia, Vinicius defende que
a tecnologia e os seus adventos estão a serviço das pessoas, para fazer com que os seus problemas sejam solucionados com mais rapidez e eficiência. O problema que ocorre com grande frequência é as pessoas tendem a focar na tecnologia como um meio de distração e entretenimento apenas e não para o seu auxílio no quotidiano (SANTOS, 2019).
Vinícius vê na internet uma possibilidade de experiências pelo mundo sem sair de casa – sendo uma boa opção em um país inseguro e violento como o Brasil está hoje; ele não acredita que a existência da internet ou das redes sociais seja a responsável pelos laços fracos presentes em nossas sociedades, mas sim a instabilidade econômica do país, os níveis de violência e o sentimento de insegurança.
Ao comparar as opções de lazer em Milbertshofen com as que conheceu em Porto Feliz, Vinícius nos explica que são focadas em esportes, com ciclovias em todas as ruas, e a possibilidade de locação de bicicletas e patinetes; além disso, pontua que há também caminhos de corridas e muitos parques de área verde, muito mais do que existem em Porto Feliz.
Um dos motivos para que Milbertshofen ofereça mais opções de lazer ao ar livre do que Porto Feliz pode ser a falta de segurança presente na cidade brasileira: no ranking anual das 50 cidades mais violentas do mundo, o Brasil ocupa 14 posições; já a Alemanha não aparece nesta lista.
É interessante pontuarmos que Milbertshofen-Am Hart apresenta uma área de 13,42 km²; já Porto Feliz possui uma área de 557,1 km²; ou seja, o distrito alemão é, aproximadamente, 43 vezes menor do que a cidade brasileira – fato este que corrobora com a relação de violência ser, possivelmente, maior em Porto Feliz do que em Milbertshofen.
Referências Bibliográficas:
ORMUNDO, J. S. A Reconfiguração da Linguagem na Globalização: investigação da linguagem on-line. Brasília, 2007
PIRES, V.L. A representação discursiva das subjetividades de gênero na mídia publicitária. Fazendo Gênero 8: Florianópolis, 2008

Nenhum comentário:

Postar um comentário