Por Carolina Valentim Carvalho
É
importante que, primeiramente, entendamos o significado de representação social
e qual a sua importância no contexto de uma comunidade.
De
acordo com as teorias das representações sociais de S. Moscovici (2000, apud
PIRES, 2008, p.2), "as representações sociais são formas de conhecimento
do mundo que nos cerca".
Mary
Jane Spink, tendo como base os estudos de Jodelet, afirma que
as representações
sociais são formas de conhecimento prático do senso comum, orientado (o
conhecimento prático) para a compreensão do mundo e para a comunicação. [...]
são sempre a referência de alguém para alguma coisa. (1994 apud PIRES, 2008, p.
2).
Pires
(2008, p.2) nos explica ainda que, de acordo com a teoria dialógica da
enunciação proposta por Bakhtin, ao expressarmos a relação existente entre
sujeito-linguagem-história-sociedade, instituímos um processo de
intersubjetividade, no qual temos a identidade como o reconhecimento desse
sujeito histórico através do contraste com outros seres sociais; entretanto,
essa representação não ocorre de maneira transparente, refletindo a ideologia e
realidade percebida por casa indivíduo.
Entendemos,
então, que o ponto de vista, além das ideologias de cada um, é responsável pela
compreensão do mundo e, também, essencial para a comunicação.
Considerando
o estudo de Fairclough (2006 apud ORMUNDO, 2007, p.136), entendemos que, ao
analisarmos as experiências e vozes da globalização, consideramos ser as vozes
das pessoas comuns o tópico mais indicado para a realizar o proposto neste trabalho.
Desta
forma, realizamos 5 entrevistas a respeito da relação comunidade-globalização, sendo 4 realizadas em Porto
Feliz (nos bairros Centro, Popular e Jardim Excelsior) e 1 realizada com um
ex-morador, que hoje vive fora do país.
BAIRRO: CENTRO
O
Centro da cidade começou a se estruturar em 1693, quando um povoado começou a
se formar junto à margem esquerda do Rio Anhemby (atual Tietê), num ponto
distante pouco mais de 100 km de São Paulo. O local era conhecido como
“Araritaguaba” (que significa: “lugar onde as araras comem areia”) – nome dado
pelos índios guaianazes que habitavam a região, em virtude da frequência com
que bandos dessas aves bicavam um salitroso paredão ali existente, nas terras
de Antônio Cardoso Pimentel.
O início
do povoamento se deu quando o dono das terras decidiu habitá-las, junto a seus
familiares e empregados, em uma época em que houve a troca do Bandeirismo pela
agricultura. Era uma comunidade simples, que cultivava o solo apenas para a sua
subsistência; no entanto, quando a notícia da descoberta de ouro em Mato Grosso
(1719) e Goiás (1725) se espalhou pelos quatro cantos, a movimentação no
vilarejo e o seu consequente progresso foram inevitáveis. Por sorte, ele havia
se desenvolvido em torno de um estratégico porto natural junto ao primeiro
trecho navegável do rio depois de Salto. Um local que serviria de ponto de
partida, ainda no século XVII, para inúmeros bandeirantes em busca das riquezas
anunciadas; no século XVIII, partiriam também as famosas monções (expedições
comerciais e científicas), marca da cidade de Porto Feliz.
No
bairro Centro aplicamos as perguntas a Maria de Lourdes Kerche do Amaral (67
anos), funcionária da Casa da Cultura “Dona Narcisa Stettener Pires”. A Casa da
Cultura “Dona Narcisa Stettener Pires” está instalada em um casarão de típica arquitetura
urbana de Porto Feliz do início do século XIX, construído originalmente em
taipa de pilão e pau-a-pique.
Maria
de Lourdes, moradora de Porto Feliz desde 1987, acredita que, na última década,
o comércio na cidade aumentou muito pouco; não há uma modernização por parte dos
comerciantes - fato este que se opõe àquilo trazido pelo processo de
globalização. Para ela, a tecnologia (como a internet) é
uma
faca de dois gumes: ao mesmo tempo que você pode melhorar a sua cultura, o seu
conhecimento, tem uma grande parte que usa, assimila as coisas erradas que essa
globalização traz, tipo: valores morais, família, religião... (AMARAL, 2019).
Apesar
de ter crescido em uma época em que utilizava cartas e jornais para se
comunicar com o mundo, Maria de Lourdes utiliza hoje a internet e o WhatsApp
para se informar e manter contato com amigos e familiares.
A
respeito das práticas sociais e até mesmo os valores adquiridos pela sociedade
com o passar dos anos, Maria de Lourdes diz acreditar que estes mudaram sim;
não só por causa das redes de informações, mas também devido a hábitos vindos
dos próprios lares (uma vez que, em sua opinião, os jovens são os mais
influenciados atualmente) - há uma ruptura de laços, relações superficiais.
Acredita
que o elemento essencial para que as pessoas voltem a vivenciar experiências ao
ar livre é a cultura.
A
entrevistada cedeu algumas fotos, nas quais pudemos analisar a sua família em
diversas épocas.
Entrevistamos
também Janaína Soares de Souza Piva Mâncio de Camargo (38 anos), funcionária da
Biblioteca Pública Municipal "Dr. Cesário Motta Junior” e Arquivo Municipal
"Sergio Buarque de Holanda"; o edifício que abriga a Biblioteca e o Acervo
foi construído, em estilo inglês, data de 1920 para abrigar o prédio da Estrada
de Ferro Sorocabana (desativada em 1960). Janaína possui ensino superior
completo e é professora.
Natural de São Paulo, a entrevistada
mora em Porto Feliz há mais de 30 anos.
Ao ser questionada sobre a
tecnologia, seu uso e as mudanças que notou nos últimos anos, disse que utiliza
a internet e as redes sociais. Acredita que não viu mudança nos últimos 10 anos
no mercado e comércio local. Quanto as relações com familiares, amigos e
profissional acham que a internet é fundamental, porém afasta as pessoas.
Relatou-nos também como era a rotina
antes da internet, as dificuldades para fazer um trabalho acadêmico ou combinar
algo com os amigos.
Janaína também comenta sobre o uso
de celular por crianças e os reflexos que nota na escola com alunos que recebem
muita informação, mas que não têm maturidade para conviver com isso. Também
acredita que uma das consequências dessa exposição seja a de uma geração
extremamente ansiosa e refém da repercussão que uma postagem pode ou não ter; outro
ponto levantado por ela é o dano causado à saúde, como miopia e problemas na
coluna pelo uso sem moderação do aparelho celular.
A falsa sensação causada pelas redes
sociais de que seus temos muitos amigos também foi um assunto comentado por
Janaína, que aponta que se têm muitas pessoas na lista de amigos, quando na
verdade conhecem-se apenas algumas delas.
Janaína ainda enfatiza que a
internet é necessária e que está aqui para ajudar. Tudo é questão de saber
dosar a sua utilização. “A internet que une, também afasta.”, afirma a entrevistada.
BAIRRO:
POPULAR
O Bairro
Popular (conhecido como “De casas populares”), tem esse nome devido ao fato de
as residências terem sido construídas por um preço acessível para aqueles que procuravam
sair da área rural e migrar para a área urbana – uma vez que, na época, ainda
não existiam programas assistencialistas como, por exemplo, o “Minha Casa, Minha vida”. O responsável pela
construção foi a COHAB (Conjunto Habitacional Agostinho Alcalá), sendo este o nome
oficial do bairro.
No bairro
Popular a entrevista foi realizada com Sueli Dandalo dos Santos (55 anos), moradora
que vive em Porto Feliz há 40 anos, ou seja, alguém que acompanhou inúmeras
mudanças desde a sua chegada na cidade.
A
entrevistada relatou mudanças que ocorreram na cidade - como o apagamento de
pequenos mercados e a chegada de grandes comércios (fato que nos remete ao
poder da globalização que, cada vez mais, ocupa as cidades do Brasil); os
antigos e pequenos comércios familiares acabaram falindo com a chegada das grandes
coorporativas, que ocupam o espaço com muito mais variedades de produtos devido
a importação.
No
Bairro Popular ainda existe um campo onde são realizadas inúmeras atividades ao
ar livre que servem para enaltecer atividades em grupos.
BAIRRO: JARDIM EXCELSIOR
O bairro
Jardim Excelsior começou a ser moldado no início dos anos de 1990; antes disso,
o espaço existente ali era ocupado por plantações de cana de açúcar. A
prefeitura, então, realizou a compra do terreno que pertencia à União São Paulo
(usina de cana de açúcar, atual Raízen) e, com o financiamento disponibilizado
pela Caixa Econômica Federal, ocorreram sorteios de casas para a construção do
novo bairro - com prestações no valor de, na época, R$ 100,00.
Embora
tenha nascido no interior do Paraná, Roseli Aparecida Dandalo de Miranda (51 anos)
é residente de Porto Feliz há 40 anos e possui certas opiniões do
desenvolvimento da cidade em relação as mudanças que vieram com o tempo.
Ela
concorda que o comércio sofreu mudanças ao decorrer do tempo, pois pequenos e
antigos mercados (conhecidos por “vendas”) cederam lugar para mercados maiores
que chegaram, assim como o próprio varejo; ela também acredita que ainda faltem
mais postos de trabalho tendo em vista que a mão de obra, mesmo evoluída, ainda
é escassa.
Roseli
recorda da época em que, para poder se comunicar, tinha que enfrentar filas
para usar o único orelhão do bairro, coisa que hoje em dia já não existe mais,
graças à Internet e aos novos meios de comunicação.
Para
ela, com essa mudança e com o avanço da tecnologia, seus próprios valores
mudaram, exceto aqueles intrínsecos ao valor familiar de berço; há hoje em sua
vida uma desconstrução de ideias antigas para dar lugar à novos pensamentos e
linhas de raciocínio, situação essa que a entrevistada classifica como ótima,
devido a praticidade que a tecnologia trouxe para o seu dia a dia. No entanto,
ela admite que todo esse novo conceito abalou laços, tanto familiares quanto os
de amizade, tornando-os mais fracos.
A
sugestão proposta por Roseli é que, para resgatar esse convívio ao ar livre, é
a realização de mais atividades grupais, tais como corridas, tendo em vista que
presar pelo bem-estar (pessoal e grupal) e sempre busca cuidar de si mesma.
Como
complemento a sua entrevista, Roseli nos cedeu algumas fotos de sua família em
diferentes épocas.
BAIRRO: MILBERTSCHOFEN (MUNIQUE, ALEMANHA)
A
primeira menção a Milbertshofen ocorreu em um documento datado de 1140, sendo incorporado
a Munique em 1913. Durante a ditadura nazista, no ano de 1941, serviu para acampamento
dos cidadãos judeus, que acabaram sendo deportados de lá para vários campos de
concentração (sendo o primeiro campo de concentração inaugurado na cidade de
Dachau, em 1933).
O
distrito de Milbertshofen está situado ao norte de Munique, na Alemanha, e, junto
aos distritos Am Riesenfeld e Am Hart, forma o distrito da cidade 11
Milbertshofen-Am Hart.
Em
Milbertshofen-Am Hart está localizado o Olympiapark (Parque Olímpico de Munique),
uma área verde que deixada para a cidade após os jogos olímpicos de 1972; o
parque conta com opções de lazer gratuito para a população, esporte,
entretenimento, sendo um dos mais importantes pontos turísticos da cidade; além
disso, há museus, shoppings e outros parques.
Vinícius
José dos Santos (33 anos) viveu por 31 anos em Porto Feliz e hoje mora no
distrito de Milbertshofen, na cidade de Munique (Alemanha); sua entrevista foi
realizada pela internet, sendo o questionário respondido via WhatsApp. Optamos
por realizar este registro a fim de comparar as impressões do entrevistado em
relação a Porto Feliz e a cidade na qual reside atualmente.
Ao
se lembrar sobre o desenvolvimento do comércio em sua cidade natal, o
entrevistado afirma que houve uma mudança significativa, na qual grandes
empresas e marcas se estabeleceram no município, aumentando a concorrência e a
gama de produtos oferecidos à população.
Recorda
que os telegramas e o telefone residencial eram um dos meios mais utilizados
para a comunicação, e não imaginava que, um dia, utilizaria uma tecnologia como
a internet; a respeito dessa, acredita que "com o avanço tecnológico, pessoas,
produtos e serviços se relacionam de diversas formas, o que acaba alterando os
valores do cidadão e até mesmo agrupando partes de valores de diversos grupos”.
A
respeito dos novos usos da tecnologia, Vinicius defende que
a tecnologia e os
seus adventos estão a serviço das pessoas, para fazer com que os seus problemas
sejam solucionados com mais rapidez e eficiência. O problema que ocorre com
grande frequência é as pessoas tendem a focar na tecnologia como um meio de
distração e entretenimento apenas e não para o seu auxílio no quotidiano (SANTOS,
2019).
Vinícius
vê na internet uma possibilidade de experiências pelo mundo sem sair de casa – sendo
uma boa opção em um país inseguro e violento como o Brasil está hoje; ele não
acredita que a existência da internet ou das redes sociais seja a responsável
pelos laços fracos presentes em nossas sociedades, mas sim a instabilidade
econômica do país, os níveis de violência e o sentimento de insegurança.
Ao
comparar as opções de lazer em Milbertshofen com as que conheceu em Porto
Feliz, Vinícius nos explica que são focadas em esportes, com ciclovias em todas
as ruas, e a possibilidade de locação de bicicletas e patinetes; além disso, pontua
que há também caminhos de corridas e muitos parques de área verde, muito mais
do que existem em Porto Feliz.
Um dos
motivos para que Milbertshofen ofereça mais opções de lazer ao ar livre do que
Porto Feliz pode ser a falta de segurança presente na cidade brasileira: no
ranking anual das 50 cidades mais violentas do mundo,
o Brasil ocupa 14 posições; já a Alemanha não aparece nesta lista.
É
interessante pontuarmos que Milbertshofen-Am Hart apresenta uma área de 13,42
km²; já Porto Feliz possui uma área de 557,1 km²; ou seja, o distrito alemão é,
aproximadamente, 43 vezes menor do que a cidade brasileira – fato este que corrobora
com a relação de violência ser, possivelmente, maior em Porto Feliz do que em Milbertshofen.
Referências Bibliográficas:
ORMUNDO,
J. S. A Reconfiguração da Linguagem na Globalização: investigação da
linguagem on-line. Brasília, 2007
PIRES, V.L. A
representação discursiva das subjetividades de gênero na mídia publicitária.
Fazendo Gênero 8: Florianópolis, 2008
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